Cinco anos se passaram desde que o Palmeiras deu um passo que, à época, poderia parecer ousado. Em 30 de outubro de 2020, o clube oficializou a chegada de um treinador português desconhecido no cenário nacional: Abel Ferreira. O que se seguiu foi uma das eras mais gloriosas da história do Verdão, marcada por uma coleção impressionante de títulos e uma busca incessante por novas conquistas. Sua trajetória no clube, que se estende para além do previsto inicialmente, demonstra uma rara sintonia entre clube e técnico, algo que se tornou um diferencial competitivo em um futebol acostumado à rotatividade.
Na noite da última quinta-feira, justamente na data que remete à sua apresentação, Abel Ferreira adicionou mais um capítulo vitorioso à sua saga palmeirense. A equipe carimbou a vaga na grande final da Conmebol Libertadores ao golear a LDU por 4 a 0 no Allianz Parque. Este resultado reforça a mentalidade vencedora que o treinador incutiu em seu elenco, uma característica que tem sido o motor de tantas alegrias para a torcida alviverde.
A Busca por um Novo Horizonte: O Contexto da Contratação
O cenário em 2020 era de expectativas e, ao mesmo tempo, de certa apreensão no Palmeiras. O clube buscava consolidar um projeto de longo prazo, que envolvia a implementação de um modelo de jogo consistente e a manutenção de treinadores por períodos mais extensos. A era dos “medalhões” parecia dar lugar a uma nova filosofia, pautada na atualização tática e na valorização de talentos que pudessem trazer inovações ao trabalho. A gestão sob o comando de Maurício Galiotte debatia abertamente a necessidade de definir um rumo claro, com o objetivo de encerrar o ciclo de trocas constantes de comandantes.
A saída de Mano Menezes ao final de 2019 abriu um leque de opções. Inicialmente, o clube tentou atrair Jorge Sampaoli, mas sem sucesso. A estratégia de apostar em nomes experientes levou à contratação de Vanderlei Luxemburgo para 2020. Apesar da conquista do Campeonato Paulista, Luxemburgo acabou demitido em meados de outubro. A diretoria alviverde rapidamente direcionou seus esforços para outro nome: Miguel Ángel Ramírez. O técnico espanhol, então à frente do Independiente del Valle, era visto como uma promessa no mercado sul-americano, representando a novidade que o clube tanto almejava. As bases do acordo com Ramírez foram fechadas em 19 de outubro, e os dirigentes Anderson Barros e Paulo Buosi se deslocaram ao Equador para oficializar a contratação.
O Revés Ecuatoriano e o Caminho Aberto para Portugal
A negociação com Miguel Ángel Ramírez, que parecia encaminhada, sofreu uma reviravolta inesperada. Assim que os detalhes vazaram para a imprensa, o técnico espanhol, que até então centralizava as negociações diretamente com o Palmeiras, por não ter um agente, viu-se pressionado pela repercussão midiática. A situação culminou em um impasse: Ramírez alegou que só deixaria o Independiente del Valle ao final da disputa da Conmebol Libertadores. Essa condição contrariava a necessidade do Palmeiras de ter um treinador para assumir imediatamente, e a falta de um intermediário dificultou a resolução do impasse. Buosi e Barros retornaram ao Brasil sem o técnico desejado, deixando o clube novamente em busca de um novo comandante.
Essa negativa gerou um período de silêncio estratégico por parte do clube, enquanto o mercado especulava diversos nomes. Internamente, a ideia de que o Palmeiras acumulava negativas era vista como incorreta e causava apreensão. Paralelamente, o departamento de análise de mercado já havia iniciado um levantamento de possíveis candidatos. Entre os nomes considerados, surgia o de Abel Ferreira. Contudo, a negociação parecia um obstáculo intransponível devido à alta multa rescisória com o PAOK, de Portugal, estimada em 6 milhões de euros. A esperança reacendeu quando um intermediário no mercado sinalizou que a contratação seria viável. Hugo Cajuda, empresário de Abel, que estava no Brasil após levar Ricardo Sá Pinto para o Vasco, iniciou conversas com a diretoria palmeirense, incluindo Maurício Galiotte e Alexandre Zanotta.
A Apresentação Impecável de Abel Ferreira
Enquanto as conversas com Abel Ferreira avançavam, o Palmeiras também flertou com outro nome: Ariel Holan. O clube fez uma investida, mas a Universidad Católica, do Chile, negou a liberação de seu técnico. As informações coletadas sobre Abel Ferreira, de ex-companheiros e pessoas que trabalharam com ele, geravam um crescente entusiasmo na diretoria alviverde, tanto no aspecto profissional quanto pessoal. A primeira sondagem oficial ocorreu no dia 26 de outubro, quando Abel, em Tessalônica, Grécia, instruiu que contatassem seu empresário. Na noite seguinte, em um gesto que demonstrava seu interesse, o treinador questionou seus auxiliares: “Querem ir ao Palmeiras?”.
Abel, assim como o clube, já havia realizado sua própria pesquisa sobre a equipe brasileira. Hugo Cajuda comunicou ao PAOK o interesse palmeirense, e a negociação pôde ser iniciada. A primeira conversa direta entre Abel e a diretoria do Verdão aconteceu em 28 de outubro, por videoconferência, com Alexandre Zanotta. O livro de Abel e sua comissão técnica revela a seriedade da abordagem: “A abordagem da direção do Palmeiras foi muito séria e profissional. Quiseram ouvir do Abel as ideias e dinâmicas de trabalho, porque a lição de casa estava feita: havia telefonado para pessoas que trabalharam com Abel, obtendo referências do homem e o treinador”. Abel se preparou para a reunião como se fosse uma entrevista de emprego, apresentando oito tópicos detalhados sobre sua carreira, filosofia de trabalho e visão de clube.
Uma Negociação Astuta e um Futuro Promissor
A primeira impressão sobre Abel Ferreira foi extremamente positiva, alinhada às expectativas e relatórios. Seguiram-se novas reuniões, desta vez com Anderson Barros, Paulo Buosi e Cícero Souza, o gerente de futebol da época. O aval para que Abel se tornasse o novo comandante do Palmeiras foi unânime. No dia 29 de outubro, o técnico aceitou a proposta de dois anos de contrato. O desafio restante era negociar sua saída do PAOK, principalmente o valor da multa rescisória. Para reduzir os 6 milhões de euros para os 600 mil euros (aproximadamente R$ 4 milhões na cotação da época), que o Palmeiras efetivamente desembolsou, uma solução criativa foi encontrada: um acordo onde o PAOK receberia uma quantia a cada título conquistado por Abel no Verdão, uma verba que seria paga conjuntamente pelas duas partes.
Com a questão contratual resolvida, Abel Ferreira iniciou sua ambientação ao novo clube ainda da Europa, dialogando com os capitães do elenco. Ao desembarcar no Brasil em 2 de novembro de 2020, a Academia de Futebol o impressionou: “É muito melhor do que eu imaginava, nem nos meus melhores sonhos”, declarou na época. Sua comparação da estrutura palmeirense com a do Manchester City, que visitara anos antes, reforça o nível de excelência encontrado. A meta da gestão Galiotte era clara: ter um técnico que permanecesse do início ao fim do ano seguinte, o último de seu mandato. Abel, em sua apresentação, declarou com convicção: “Não vim aqui para ter férias, vim aqui para trabalhar e ganhar com o clube”. Essa fala se provou profética, marcando o início de uma relação vitoriosa e duradoura.
O Legado de Sucesso e os Recordes Alcançados
Desde a estreia da comissão técnica em 5 de novembro de 2020, o Palmeiras sob o comando de Abel Ferreira se tornou uma máquina de conquistas. A equipe ostenta dez títulos, alcançados em 387 jogos, com um desempenho avassalador: 226 vitórias, 91 empates e apenas 70 derrotas. Este retrospecto o coloca como um dos treinadores mais longevos do futebol brasileiro desde o início dos pontos corridos em 2003 e com um número expressivo de títulos, igualando a marca de Oswaldo Brandão. A busca por novos recordes é constante, com a possibilidade de se isolar como o maior campeão do clube ainda em 2024.
A liderança no Campeonato Brasileiro, a nove rodadas do fim, e a classificação para a final da Conmebol Libertadores são fortes indicativos de que Abel Ferreira continuará a escrever capítulos gloriosos na história do Palmeiras. Sua permanência, com uma renovação de contrato encaminhada até o fim de 2027, projeta uma trajetória de sete temporadas, um feito inimaginável quando chegou. A estratégia de apostar em um técnico com um projeto de longo prazo, que valoriza a continuidade e a implementação de um modelo de jogo, demonstrou ser o caminho para o sucesso e a consolidação de uma das eras mais vitoriosas do futebol brasileiro. O Verdão, sob a batuta do português, segue firme em sua jornada rumo a mais glórias.

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