Um jornalista espanhol expôs um caso alarmante de racismo, sexismo e xenofobia tolerado por meses nas arquibancadas do estádio Mestalla, casa do Valencia CF. O repórter José Manuel Bort detalhou, em um relato contundente, como testemunhou e suportou, por mais de um ano, ofensas discriminatórias direcionadas a atletas de diversas origens, mas também a espanhóis de outras regiões. A situação atingiu um ponto crítico, levando o jornalista a tornar público o comportamento de um torcedor específico, apelidado de “o racista do setor 5 de Mestalla”, em uma tentativa de forçar uma ação das instituições esportivas responsáveis.
O Horror Silencioso nas Arquibancadas
Durante um período de treze meses, o jornalista José Manuel Bort presenciou uma série de insultos degradantes proferidos por um torcedor em seu setor no estádio Mestalla. As ofensas, que iam desde “Negro de merda” e “Vai para o Bioparc” até referências cruéis a imigrantes, com o termo “Negro dos barcos”, criavam um ambiente de constrangimento para os demais espectadores. Bort relata que a repetição constante desses discursos de ódio, direcionados a jogadores negros, sul-americanos, de ascendência árabe e até mesmo a espanhóis de regiões como o País Basco e a Andaluzia, tornou a experiência de assistir aos jogos insuportável. Ele sentiu-se compelido a agir, especialmente ao notar que as autoridades esportivas não tomavam providências. A decisão de expor o indivíduo foi tomada em conjunto com outros torcedores que compartilhavam do mesmo incômodo.
A Luta Contra a Impunidade e a Falsidade das Instituições
As tentativas iniciais de Bort para resolver a questão através dos canais oficiais se mostraram infrutíferas. Ele procurou o Valencia CF, que o orientou a direcionar a denúncia à LaLiga, entidade responsável pela organização do Campeonato Espanhol. A LaLiga, por sua vez, enviou representantes a três partidas do Valencia, incluindo um confronto contra o Real Madrid, mas, segundo Bort, nenhuma ação concreta foi tomada. “Seria desonesto da minha parte afirmar que a resposta de LaLiga à minha denúncia não foi rápida. Estiveram presentes, dou fé. O resultado é outra coisa”, desabafou o jornalista, evidenciando a morosidade e a ineficácia das medidas oficiais. Após nove meses e dezenas de novos insultos, a situação permanecia inalterada no setor 5 de Mestalla, o que o levou a buscar outras vias para coibir o comportamento discriminatório.
Coleta de Provas e o Papel da Justiça
Diante da inércia das entidades esportivas, José Manuel Bort decidiu documentar as agressões verbais. Sem o uso de imagens, para evitar riscos, ele gravou áudios que não apenas confirmavam os insultos, mas também registravam as discussões do agressor com outros torcedores que o repreendiam. Essas gravações, repletas de discussões acaloradas e respostas hostis, tornaram-se a base para que Bort levasse o caso à Promotoria de Crimes de Ódio de Valência em 29 de outubro. O jornalista fundamentou sua denúncia no artigo 510 do Código Penal espanhol, que criminaliza atos de ódio. Essa mesma legislação já foi utilizada para condenar um torcedor do Espanyol que imitou gestos de macaco para um jogador negro em 2020, demonstrando a aplicação da lei em casos semelhantes e a seriedade do crime de ódio.
O Valencia CF Reage Após a Denúncia Pública
Após a repercussão do artigo de José Manuel Bort no site “Levante-EMV”, o Valencia CF anunciou que abrirá um processo disciplinar contra o torcedor denunciado. Caso o clube confirme a conduta inadequada, o indivíduo em questão poderá enfrentar o banimento permanente do estádio Mestalla. Essa medida surge em um momento particularmente delicado para o clube, que já esteve envolvido em casos de racismo no passado. Em maio de 2023, o atacante Vinícius Júnior, do Real Madrid, foi alvo de ataques racistas no mesmo estádio, o que resultou na condenação de três torcedores do Valencia a oito meses de prisão e a dois anos de proibição de frequentar estádios. O clube também moveu uma ação contra a Netflix e a produtora Conspiração Filmes por conta de imagens exibidas em um documentário sobre o episódio, alegando distorção dos fatos.
Um Chamado por um Futebol Mais Respeitoso
José Manuel Bort reconhece que “todos os estádios têm seu idiota de cabeceira”, mas enfatiza que a presença do torcedor em questão no setor 5 de Mestalla transcende um incidente isolado, manchando a imagem do clube e da torcida valencianista. Ele expressa o desejo de que o Mestalla seja um local “respeitoso e digno”, onde todos os torcedores possam desfrutar do espetáculo sem o constrangimento ou o medo de presenciar atos de ódio. Bort encerra seu artigo com um apelo contundente: “Cada minuto que este indivíduo segue sentado na arquibancada é um fracasso de LaLiga, do Valencia e de uma sociedade que se crê moderna enquanto tolera o racismo a céu aberto. O ódio se combate de frente, não de relance. Sem hesitar.” A situação levanta um debate crucial sobre a responsabilidade dos clubes, das ligas e da sociedade em erradicar o racismo e a discriminação no futebol, garantindo que os estádios sejam espaços de celebração e união, e não de intolerância.

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