Em terras africanas, mais precisamente no arquipélago de Cabo Verde, uma história peculiar liga um grupo de apaixonados pelo esporte a um dos clubes mais tradicionais do futebol brasileiro. Um time amador, fundado em 1987, carrega o nome e o escudo que remetem imediatamente ao Corinthians Paulista, mas com uma identidade própria e adaptada à realidade local. Essa equipe, conhecida como Corinthians São Vicente, tem uma trajetória marcada pela paixão, pelo voluntariado e por um desejo antigo de estreitar laços com seu homônimo brasileiro.
Um “Timão” de cores variadas e origem inusitada
O que para o torcedor corintiano no Brasil é um impensável choque de cores, no Corinthians São Vicente tornou-se realidade. Registros fotográficos do clube de Cabo Verde mostram a equipe atuando com uniformes na cor verde, remetendo diretamente à rivalidade histórica com o Palmeiras. Essa peculiaridade, no entanto, tem uma explicação lógica: a falta de recursos e a improvisação são a norma em um clube amador que opera com doações e trabalho voluntário. A escolha do nome e do distintivo, semelhante ao do Corinthians Paulista, não foi fruto de uma profunda análise da rivalidade local, mas sim de uma inspiração vinda de uma edição da revista Placar, encontrada por um dos fundadores no final da década de 1980. Na época, o grupo de jovens que buscava uma identidade para o seu time recém-formado viu no modelo do clube paulista uma fonte de inspiração, sem a consciência das nuances culturais e das paixões que cercam o futebol no Brasil. José Martins, um dos fundadores, relembra com bom humor a situação, destacando que se tivessem o conhecimento atual sobre a rivalidade, a escolha poderia ter sido diferente.
A paixão brasileira que atravessa o oceano
A influência do futebol brasileiro em Cabo Verde, mesmo antes da popularização da internet, já era notável. Novelas e, claro, o futebol, eram grandes paixões dos caboverdianos. A descoberta da revista Placar com imagens e informações sobre o Corinthians Paulista foi o estopim para a adoção do nome e do escudo. A sugestão veio de um jovem cujo pai era um fervoroso fã do futebol brasileiro. A reportagem em questão, embora o teor específico não seja lembrado com precisão, foi suficiente para inspirar a criação do Corinthians São Vicente. A proximidade do escudo, com a adição da bandeira de Cabo Verde no lugar da bandeira do estado de São Paulo, reforça a identidade local mantendo a homenagem ao clube de origem. Essa ligação com o Brasil foi fortalecida para alguns fundadores, como o próprio José Martins, que teve a oportunidade de estudar em São Paulo e até mesmo vivenciar a cultura corintiana de perto, visitando o Pacaembu e participando de eventos ligados à Gaviões da Fiel.
Um clube de formação com desafios estruturais
O Corinthians São Vicente se dedica primordialmente à iniciação e formação de jovens atletas. A filosofia do clube é oferecer um ambiente para o desenvolvimento esportivo, sem fins lucrativos e com trabalho puramente voluntário. Atualmente, o clube se encontra inoperante devido ao calendário de férias escolares e, principalmente, à escassez de recursos financeiros. No passado, a equipe adulta do Corinthians São Vicente competiu na Segunda Divisão regional, chegando a ser campeã e promovida à Primeira Divisão. No entanto, a dificuldade em se manter na elite por longos períodos evidenciou os desafios estruturais enfrentados. Marcos Fonseca, atual vice-presidente, enfatiza que a própria permanência do clube em atividade por quase quatro décadas é uma vitória, representando uma filosofia de vida de luta contra as adversidades. A busca por parceiros, especialmente externos, é vista como fundamental para que o clube possa almejar um patamar superior.
O sonho de um estreitamento de laços e a importância do material esportivo
Um dos grandes anseios da diretoria do Corinthians São Vicente sempre foi o de estabelecer laços mais fortes com o Corinthians Paulista. Houve uma aproximação anterior com o ex-presidente Andres Sanchez, na tentativa de obter doações de material esportivo. No entanto, a falta de organização por parte do clube africano e a perda de contato com o dirigente impediram que a doação prometida se concretizasse. Marcos Fonseca explica que o futebol em Cabo Verde é encarecido pela necessidade de importar quase todo o material esportivo, desde bolas até chuteiras. A compra de uniformes em uma queima de estoque no Brasil, realizada por Marcos Fonseca quando estudou em São Paulo, representou um marco para os jovens do clube. A oportunidade de vestir camisas autênticas do Corinthians, com o logo de patrocinadores históricos, trouxe um orgulho imensurável e um grande impulso para a motivação da garotada.
Cabo Verde no cenário mundial e a ascensão do futebol local
A história do Corinthians São Vicente ganha um contorno ainda mais especial com a recente e inédita classificação da seleção de Cabo Verde para a Copa do Mundo de 2026. A façanha de desbancar Camarões nas Eliminatórias e garantir uma vaga direta para o Mundial é um feito notável, especialmente considerando que o país não possui uma liga profissional totalmente consolidada. A grande maioria dos jogadores que compõem a seleção atua em clubes de segundo escalão em Portugal, Turquia e França, além de ligas em países como Bulgária, Hungria e Azerbaijão. Entre os convocáveis, destaca-se o atacante Alessio da Cruz, que atua no Brasil pelo Athletic, de Minas Gerais, na Série B do Brasileirão. A conquista da vaga para a Copa do Mundo representa um momento histórico para o futebol caboverdiano e abre novas perspectivas para o desenvolvimento do esporte no país, inspirando inclusive clubes amadores como o Corinthians São Vicente em sua perseverança e amor pelo futebol.

Escritor especializado em cobrir notícias sobre o mundo do futebol. Apaixonado por contar as histórias por trás dos jogos e dos jogadores







